“Lula diz a executivos do Peru que influi em decisões de Dilma
Em discurso ontem, em Lima (Peru), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva contou que recorreu a Dilma Rousseff para aumentar o número de fiscais numa ponte entre o Brasil e o Peru.
‘Já liguei para a presidenta Dilma hoje [ontem] de manhã. Já liguei. E disse para ela da ponte [que cruza o rio Acre, inaugurada em 2006]; disse para ela da falta de fiscal. Ela disse: ‘Pode deixar que eu vou chamar o pessoal para resolver isso’’, disse.
Ele foi aplaudido por 400 empresários locais e pela comitiva de brasileiros que ele liderou, formada por executivos de empreiteiras, como OAS, Odebrecht e Andrade Gutierrez, e de empresas como Embraer e Eletrobras.
Estava presente também o presidente peruano, Ollanta Humala. Há uma queixa de empresários peruanos de que a ponte, pela qual passa a chamada Estrada do Pacífico, sofre com trâmites aduaneiros lentos, com falta de autoridades aduaneiras e de vigilância sanitária. Lula criticou a burocracia brasileira.
Lula também acionou o governador Tião Viana (PT-AC): ‘A minha indignação é que a cada mês eu ligo para o Tião Viana e pergunto como é que está a ponte, como está o escritório da Receita. Está funcionando?' E ele diz: ‘Não, presidente, não. Está demorando muito e tem produto perecível que chega a ficar quase oito dias esperando para atravessar’’”
O artigo 332 de nosso Código Penal diz que é crime de tráfico de influência “Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função”.
Ou seja, se alguém recebe qualquer vantagem (ou mesmo uma simples promessa de vantagem) para exercer influência sobre um servidor público, esse alguém estará cometendo tráfico de influência.
Não importa que ele esteja apenas fazendo uma bravata. Desde que a bravata seja crível por quem a ouviu e pagou, há crime. Para que o crime esteja consumado, não precisa que o servidor seja influenciado por quem contou vantagem. Não precisa nem que ele de fato tenha contato com tal servidor. Basta que ele tenha pedido tal vantagem sob o pretexto de conseguir influenciar nas decisões do servidor e que era razoável acreditar que ele seria capaz de influenciar tal servidor.
Isso porque o que esse crime visa proteger é a respeitabilidade do serviço público. Não se pode sair por aí dando a entender que o serviço público é parcial e atende algumas pessoas de forma privilegiada.
Bem, então o ex-presidente cometeu um delito ao dizer que ligou para a presidente ou para o governador? Sem mais fatos, não dá para saber. Isso porque a pessoa precisa ter pedido, cobrado ou exigido alguma vantagem para exercer tal tráfico, e não está claro se isso aconteceu.
A outra possibilidade é que ele não tenha pedido, exigido ou cobrado, mas tenha aceitado alguma vantagem sob o pretexto de influenciar nas decisões da presidente ou do governador. E aqui a coisa fica mais complicada.
A pessoa pode até não ter recebido dinheiro, mas uma viagem, hotel ou um jantar é uma vantagem. E isso basta para a lei.
Mas dizer que ligou e conversou com um servidor público não é o suficiente para configurar o crime. É natural que nós queiramos dizer que temos intimidade com alguém em situação de poder. É uma forma de – por associação – dizermos que somos mais do que realmente somos (daí, aliás, gostamos de dar presentes para pessoas famosas, ainda que elas justamente sejam as que menos precisam de ganhar presente).
Simplesmente contar vantagem parta se sentir melhor sobre si mesmo não é crime. É questão que se discute com terapeuta e não com magistrado.
Para que o tráfico de influência exista, é necessário que a vantagem recebida esteja vinculada ao fato de dizer que consegue intervir junto ao servidor público. Ou seja, se alguém recebe uma viagem e no meio da viagem conta uma bravata de que é capaz de influir sobre um servidor público, não há crime porque a viagem foi dada quando quem a deu ainda não sabia que Fulano se dizia capaz de interceder junto ao servidor público.
O tráfico de influência existe se alguém diz que é capaz de interceder e daí ganha uma viagem por causa do que disse e no meio da viagem reafirma o que disse.
Como todos somos inocentes até que se prove em contrário, sem que apareçam mais detalhes, não se pode dizer que houve tráfico de influência.
PS: Não podemos confundir o tráfico de influência com a corrupção ativa (quando ele recebe dinheiro para corromper o servidor) ou passiva (quando ele recebe propina em nome do servidor)